Nosso recurso é melhor do que o do facebook,pois por lá os grupos logo perdem o interesse,mas um blog é sempre uma nave solitária,podendo então agregar as pessoas por mais tempo.
Por bastante tempo,nossos assuntos nos imantaram.
Saímos daqui entusiasmados com a rede social,e ainda estamos contentes com ela.
Mas os grandes interessados em nossos temas, e que os procuram fora dos locais conhecidos,poderão nos acompanhar.
Vejam um texto de um amigo nosso,o prof. filósofo Ghiraldelli.
Ele já tentou estar presente,mas logo perdeu a motivação.
Bom, ele vai gostar de saber que os textos dele vez por outra,frequentarão esse local.
Felicidades aos visitantes.
NOTAS PARA UMA TEORIA DA VIOLÊNCIA RELIGIOSA
Será mesmo que podemos levar a sério divergências religiosas, ideológicas, classistas, de gostos e tudo que implica alguma forma de exposição concatenada em uma forma de narrativa mais ou menos racional? Será que temos realmente divergências dessa ordem?
Talvez nossas divergências — especialmente as que levam à violência religiosa — não sejam senão mero xenofobismo. Pode ser que nunca tenhamos ultrapassado o “nós” versus “eles”, gerado pela repulsa e medo dos que vieram de outras matrizes e, no caso de humanos, de outros úteros. Penso que uma boa teoria da violência religiosa, talvez de quase toda a violência, seria aquela que pudesse invocar uma “infraestrutura” chamada guerra de úteros.
Podemos nos imaginar imersos no líquido amniótico de nossa mãe, mas se na imaginação começamos a sentir-nos no meio aquoso produzido pelo Outro, isso nos produz repulsa instantânea. Estar imiscuído em fluídos alheios, não raro nos dá repulsa. Nossa predisposição para a relação termina rápido quando temos de nos envolver com os que são o “inteiramente outro”. O cheiro dos “nossos” nos aconchega, o odor dos “outros” nos irrita. O outro lado da repulsa com o Outro tem como função não perder o Mesmo. Os que são habitantes da terra do “nós” não podem se perder, não devem se misturar, não têm de criar olfato ludibriado. Para que possamos saber quem somos, individualmente, precisamos antes de tudo saber que é o nosso “nós”. Se é assim, fica fácil entender os pactos internos que ocorrem em povos que, por alguma razão, perdem suas terras, sofrem pelo nomadismo não natural.
Com essas premissas nas mãos não é difícil entender o propósito da expressão “À Sombra do Monte Sinai”, que inclusive é título de livro de Peter Sloterdijk, onde ele fala da violência dos monoteísmos. O que se firmou no Sinai foi uma política de união de um povo consigo mesmo, para evitar os raios da dispersão em meio a outros povos. Os judeus usaram de um Deus único para se manterem judeus. E proibiram qualquer imagem de Deus, eliminando assim as possibilidades de comparação, o que diluiria as diferenças entre potências míticas de povos outros. Um Deus de rosto proibido, não possível de ser traçado, foi a melhor maneira de deixar cada judeu fora da tentação da confusão, do sincretismo, das várias equivalências como aquelas que os gregos experimentaram junto dos egípcios, ou como as que fazemos hoje entre santos católicos e entidades do candomblé.
A distinção religiosa nunca teria sido outra coisa senão uma política de quem nunca teve terra, e que teria de vagar o mundo por meio de um tipo de ‘país portátil’, que nada mais é que a Bíblia. Uma tal obsessão pela distinção, às vezes, pode ser vista então não como violência da religião, mas o que restou de identidades e ojerizas primitivas, de processos de antropotécnicas que nos fizeram a partir dessa relação entre o Mesmo e o Outro. Talvez muito de nossa violência religiosa não seja outra coisa senão essa herança da divergência de úteros como casas com cheiro forte, cheiro estranho.
Paulo Ghiraldelli Jr., 60, filósofo. São Paulo, 26/04/2017
Foto: Monte Sinai
- Puxa…!!