Panes e curtos-circuitos se multiplicam nos subterrâneos do Rio de Janeiro, provocando uma onda de explosões na rede elétrica que apavora os moradores da cidade
Helena Borges
Cotidianamente assombrados pela violência e calejados pela desordem urbana, os cariocas agora estão sendo obrigados a conviver com um novo tipo de perigo: bueiros que explodem com a potencia de uma granada, como em cenas de filmes de ação, lançando chamas e estilhaços sobre pedestres, edifícios e carros. Só na semana passada foram quatro episódios - três em uma única esquina de Copacabana e outro no Flamengo, onde as labaredas derreteram um orelhão. Em abril, a placa de ferro de 1 tonelada que cobria uma câmara subterrânea esmagou um táxi e feriu cinco pessoas. Não foram as primeiras explosões a espalhar o panico nas ruas do Rio de Janeiro. Desde que as tampas de bueiro começaram a ir pelos ares, em junho de 2010, já houve 22 incidentes - um a cada dezessete dias. Oito pessoas ficaram machucadas. O fato de ninguém ter morrido pode ser creditado à sorte. Especialistas calculam que o impacto desse tipo de estrondo é dez vezes o de uma bomba caseira.
Apesar de surreais, tais situações têm uma explicação bastante comezinha. Com sessenta anos de idade, a rede elétrica do Rio está sucumbindo à fadiga e à falta de manutenção, como demonstra a própria dinâmica das explosões. Tudo começa com um curto-circuito provocado pela sobrecarga dos cabos - algo que só acontece se a capa isolante está gasta ou se, corroídos pela ferrugem, os fios retêm parte da energia que deveriam transportar.
Algumas panes, inclusive, ocorreram em cabos protegidos por um material semelhante a papel machê besuntado em óleo cujo uso data do século XIX. Os abalos mais destrutivos se deram em câmaras subterrâneas onde se guardam os transformadores capazes de converter a energia das usinas na voltagem das ruas. Também aí a falha foi de manutenção. "Ao substituirmos apenas algumas peças e não o equipamento todo, sobrecarregamos demais os componentes mais velhos, o que pode ter provocado as panes", admite Jerson Kelman, presidente da Light, a concessionária responsável pelo fornecimento de energia.
Explosões de bueiros não são exclusividade carioca. Recentemente, as cidades americanas de Nova York e São Francisco registraram uma onda de estrondos. Nas duas metrópoles, assim como na capital fluminense, as companhias responsáveis pelo abastecimento de energia fizeram mea-culpa e prometeram intensificar a manutenção da rede. A concessionária de Nova York convocou até especialistas do prestigiado instinto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)para criar um sistema de prevenção. Os pesquisadores desenvolveram um complexo algoritmo, que está em teste. Mas, apesar de todo o esforço, o modelo só é capaz de prevenir uma pequena parte dos acidentes. Depois de todos os estudos, os cientistas chegaram a um princípio até certo ponto óbvio para balizar seus cálculos: quanto mais antiga a rede e mais grossos os feixes de cabos, maior a probabilidade de ocorrer um curto-circuito. Se tal lógica tivesse sido observada na capital fluminense, seria mais fácil prevenir as explosões.
O Rio, no entanto, ainda não pode seguir as melhores práticas internacionais. A principal razão é o fato de não existir um mapeamento detalhado de seu subsolo, que tem a mais longa e uma das mais antigas redes elétricas do Brasil. Esse esquadrinhamento começou a ser feito depois das primeiras explosões. Até agora, no entanto, sabe-se pouco sobre as exatas condições dos 5500 quilômetros de cabos e mais de 15000 bueiros - exceto que amargaram anos de penúria. Essa tendência só começou a ser revertida em 2009, quando, após uma sequência de apagões e multas milionárias aplicadas pelo órgão regulador, a Light foi obrigada a aumentar o investimento em conservação. Na semana passada, copiando uma iniciativa de São Francisco, a empresa encomendou tampas de bueiro com molas para diminuir o impacto de eventuais explosões. "Essa providência não basta", diz o especialista em gestão de risco da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Moacyr Duarte. "O que resolve mesmo é renovar toda a infraestrutura da rede. Do contrário, corremos o risco de ver explosões em canteiros de obras para a Copa e a Olimpíada." Isso, definitivamente, ninguém quer.
Quando o bueiro vira uma bomba
O Rio de Janeiro já registra 22 explosões de bueiro nos últimos 12 meses - sempre em instalações elétricas antigas ou malconservadas. Os estrondos atingem o poder destrutivo de uma granada.
1. Um curto-circuito nos cabos do transformador aquece a 1000 graus o óleo isolante que envolve as placas metálicas dentro do esquipamento.
2. O óleo evapora e pressiona as paredes da máquina, que estoura. Ao entrar em contato com o ar, o gás liberado entra em combustão.
3. Antigo e danificado, o sistema de exaustão não funciona. O calor dilata os gases comuns ao subsolo (como o metano) dentro da câmara subterrânea.
4. Tudo ocorre em 0,05 segundo. As chamas e os gases lançam a tampa de ferro fundido de 1 tonelada a 2 metros de altura.
Revista Veja - Edição 2224 - nº 27 - 06/07/2011
(Selma)
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