O livro O erro de Descartes*, do português Antônio Damásio, mostra que a ausência de emoção e sentimentos, na verdade, destrói a racionalidade ao invés de melhorar o processo de decisão.
Nos primeiros capítulos ele fala sobre um dos casos mais famosos da neurociência: Phineas Gage.
Phineas Gage foi um australiano que viveu em meados do século XIX. Segundo relatos da época, ele era um homem muito gentil que trabalhava na construção de ferrovias. Após um acidente em 1848, envolvendo explosivos, uma barra de ferro atravessou sua cabeça, atingindo o cérebro (parte pré-frontal).
Phineas Gage era um jovem supervisor de construção de ferrovias da Rutland e Burland Railroad, em Vermont, EUA. Em setembro de 1848, enquanto estava preparando uma carga de pólvora para explodir uma pedra, ele socou uma barra de aço inadvertidamente no buraco. A explosão resultante projetou a barra, com 2.5 cm de diâmetro e mais de um metro de comprimento contra o seu crânio, a alta velocidade. A barra entrou pela bochecha esquerda, destruiu o olho, atravessou a parte frontal do cérebro, e saiu pelo topo do crânio, do outro lado. Gage perdeu a consciência imediatamente e começou a ter convulsões.
Esquema mostrando como a barra de ferro atingiu o crânio de PG |
Barra de ferro vista por outro ângulo e como o crânio ficou danificado |
Entretanto, logo depois de recuperado, Phineas Gage teve seu comportamento completamente alterado: começou a usar palavrões, fazia comentários cruéis desnecessários, tratava mal as pessoas, e fazia péssimas decisões que não levavam em conta as consequências. Morreu pouco mais de 10 anos depois pobre e sozinho. Na época, um médico estudou o seu caso, e é graças a ele que temos todas essas informações.
O caso Phineas Gage é importante pois foi o primeiro caso que mostrou que emoção e comportamento estão sim associadas a uma parte específica do cérebro.
No livro, Damásio ainda fala de um caso semelhante ao de Phineas Gage que ele teve a oportunidade de estudar, o caso de Elliot. Elliot sofreu um acidente semelhante ao de Phineas Gage, demonstrando os mesmos sintomas. Damásio aproveitou a chance para estuda-lo. Fez diversos testes de QI, além de outros tipos de testes de inteligência. Surpreendentemente, Elliot se saia muito bem, às vezes melhor do que a média da população, provando que era dono de um intelecto saudável.
Ao longo da convivência com Elliot, Damásio se deu conta que ele contava sobre a tragédia da sua vida de forma impassível. Com o passar do tempo, notou que Elliot quase nunca se zangava, nem se incomodava com as milhares de perguntas repetitivas de Damásio. Num outro teste, se colocou estímulos visuais em frente de Elliot como: pessoas se afogando, incêndios terríves e terremotos horríveis. Nisso, Elliot, impassivo, fez um comentário que abriu os olhos de Damásio: sinto que meus sentimentos mudaram após o acidente.
Ou seja, Elliot se deu conta que coisas que antes lhe causavam emoções fortes, agora não lhe causavam nenhuma reação, nem positiva, nem negativa.
Imagine que sua comida favorita, a música que você mais gosta, seu filme predileto, nada disso desperta mais nenhuma emoção. Você agora está para sempre destituído da possibilidade de curtir o que você gostava, e ao mesmo tempo, consciente de que aquilo outrora o divertia. Em suma, o estado de Elliot pode ser resumido como saber sem sentir.
De fato, segundo Damásio, nenhuma emoção era muito intensa em Elliot, nem tristeza nem alegria. tanto o prazer como a dor pareciam ser de curta duração.
Essa falta de sentimentos leva o doente a não se importar muito com a sua decisão e portanto, fazer decisões ruins.
Por que o livro se chama “O Erro de Descartes”?
Porque Descartes acreditava que o corpo era separado da mente. A mente só precisava do corpo para poder funcionar, fora isso, não havia nenhuma conexão entre eles. Mas Damásio acredita justamente o contrário, que corpo e mente estão intimamente conectados: a mente comanda o corpo inteiro, mas são as sensações que o corpo manda para mente que induzem a mente funcionar daquela maneira, contrapondo o dualismo cartesiano no qual a alma (razão pura) é independente do corpo e das emoções.
Quem foi Descartes?
Foi o filósofo e matemático francês que pensou, pensou e pensou e disse:
Cogito, ergo sum que significa: "penso, logo existo"; ou ainda Dubito, ergo cogito, ergo sum: "Eu duvido, logo penso, logo existo" .
Será? Conheço muita gente que existe mas não pensa... rsrs!
*O Erro De Descartes - Damasio, Antonio R - Editora Companhia das Letras
(Selma)
Nenhum comentário:
Postar um comentário