(Baseado no Especial da Revista Veja 2011 – Luto)
Um luto nunca se parece com outro. Isso porque o luto não é um sentimento e sim um turbilhão deles. É uma tempestade dentro do coração.
A notícia confortadora é que muitos de nós consegue resistir a essa tempestade. A notícia nova e esperançosa é que assim como cada luto é único, cara indivíduo parece também dispor de estratégias próprias para conviver com o luto até que ele se amaine. É comum que na tentativa de confortar o enlutado, as pessoas que o cercam, os profissionais de saúde os livros de autoauda proponham receitas: deve-se falar sobre os sentimentos, e não guardá-los; deve-se agir e não cair na introspecção; deve-se pensar nos que estão vivos e não em quem se foi. O que os estudos mais recentes indicam, porém, é que essas regras podem ajudar alguns enlutados – mas não todos, nem qualquer um. Quando funcionam, é mais por acaso estatístico do que por solidez científica ou empírica. O luto, mostram esses estudos, não tem regras e nem obedece elas.
Muito do que hoje se dá como certo sobre o luto vem do trabalho da psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross. Estudando pacientes em estado terminal em um hospital de Chicago, ela descreveu em cinco estágios a convivência deles com a idéia da própria morte eminente: primeiro viria a negação. Depois, a raiva, em seguida, a barganha, a depressão e, por fim a aceitação. Em 1969, a psiquiatra publicou a teoria em um livro, “Sobre a Morte e o Morrer”, que se tornou um best-seller: nada mais confortador do que a noção de que pode haver a previsibilidade em uma circunstância – a da finitude – que, para cada um de nós e para toda a humanidade como um todo é a mais assustadora, enigmática e caótica de todas.
Logo a ideia dos estágios caiu... Em um estudo de 2007 da Universidade de Yale, quase todos os voluntários que foram objetos de um estudo, mostraram estar em plena aceitação da morte de seu ente querido, e diziam sentir não raiva, mas apenas saudade. O mito cuja derrubada é surpreendente , porém, corresponde àquela regra e que o enlutado deve se obrigar a expressar os seus sentimentos. Um estudo conduzido pelo psicólogo George Bonanno, professor da Universidade Colúmbia, nos EUA, estabeleceu que aqueles que aqueles que silenciam sobre as suas emoções ( em particular as negativas) no início do luto e se recuperam com mais rapidez, e de maneira menos penosa, do que os que verbalizam seus sentimentos. A descoberta é corrobada pelo acompanhamento, durante anos, de 2000 parentes de vítimas dos atentados de 11 de setembro. Mesmo em uma situação que envolve raiva e desejo de vingança, como essa, venceu melhor a borrasca quem não pos constantemente em palavras esses sentimentos. Ou seja, o narrar constante desses estragos que a tempestade do luto inflige ao coração parece torna-la mais presente e duradoura – e não dissipa-la como se acredita.
Deixa de valer, também a crença generalizada de que o luto é uma espécie de tarefa, algo que é preciso enfrentar, trabalhar, digerir e abraçar. Salvo exceções, o luto não requer que o enlutado brigue com a dor ou consigo mesmo. Se ele se entrega ao desespero em toda a sua intensidade ou “ausenta-se” de si e de seu entorno, se prefere falar ou calar – ainda que as aparências sugiram o contrário, cada um de nós tende a responder da maneira mais eficaz possível aos ditames instintivos da sobrevivência psíquica e da superação.
São muitos os aspectos que influenciam o caminho que o luto vai percorrer. O mais importante deles é a intensidade do vínculo que se mantinha com a pessoa falecida: quanto mais amor, mais dor, diz a psiquiatra Tânia Maria Alves, coordenadora do ambulatório de luto do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Também podem ser decisivas as circunstâncias da morte: se esperada ou repentina, se na juventude ou na velhice, se fruto da violência ou o acaso. E, claro, o enlutado contribui para essa equação com suas próprias variáveis: sua força para enfrentar adversidades, seu estado psicológico no período anterior à perda, as mágoas e alegrias que nutria em relação ao falecido, o estágio em que estava o relacionamento no momento em que a morte o interrompeu.
Processar todos esses fatores e conciliar com eles é árduo, infinitamente dolorido e demorado. E é também normal: em tese, cada um de nós enfrentou ou enfrentará o luto em algum momento da vida. O luto só requer alguma intervenção quando passando entre um e dois anos, o enlutado mantém comportamento como preservar o lugar de quem morreu à mesa, falar do falecido no presente ou conservar intactos seus objetos pessoais. Trata-se do chamado luto complicado, que acomete apenas uma minoria, mas é tão profundo e real que é possível vê-lo acontecendo no cérebro por meio de ressonância magnética: além das razões associadas ao sofrer, ele faz “acender” áreas legadas à recompensa quando o enlutado olha a foto de um ente querido – tal é a força com que anseia por ele. “È preocupante quando a morte passa a ocupar um lugar maior do que a vida e a pessoa entende que parar de sofrer é ser desleal com o morto”, diz a terapeuta de família Renata Machado, especialista em luto.
O luto, assim, é necessariamente um processo solitário. Mas não é recomendável que se desenrole em solidão. Qualquer cultura ou sociedade, de qualquer tempo, tem algum rito coletivo associado ao luto, no qual as pessoas próximas cercam o enlutado no período inicial de sua dor, amparam-no e assim também prestam seu reconhecimento da importância da pessoa que se foi. Grandes funerais públicos, como do presidente Kennedy ou da princesa Diana são rituais elaborados, que ajudam a galvanizar os sentimentos e, marcando assim seu clímax, apazigua-los.
Mas pequenas tradições íntimas como o shiva e o shloshim judaicos , em que parentes e amigos se plantam na casa do enlutado, têm também significado imensurável. Tinha-o, também, o uso de trajes negros, que remonta pelo menos até a antiguidade romana, e que a Inglaterra da rainha Vitória, viúva inconformada de seu príncipe Albert, elevou a paroxismos de complexidade: a morte estava prevista no tecido da vida, assim como sua dor. Ambas eram fato público e evento coletivo.
Hoje, porém, a maioria desses ritos desapareceu ou se abreviou. E, na impessoal e apressada vida moderna, com tantas preconizações sobre o que é “certo” ou “errado” no luto, em geral não se faz o principal: simplesmente estar ali, por quanto tempo se faça necessário.
Quando vemos uma tragédia na TV nos comovemos. O terremoto no Haiti foi desesperador. Muitos corpos sepultados sob escombros, muitas crianças ficaram sem pais e muitos pais perderam os filhos. Muitos perderam tudo: a casa, a família e a dignidade de viver bem. Hoje, passado mais de um ano do acontecimento, a grande maioria vaga pela cidade se lugar certo para morar. Não existe rede de esgotos.
As pessoas lavam as roupas e tomam banho na água do esgoto. E é com ela que fazem sopa de raízes para se alimentar.
Triste não? Para nós é fácil. Basta desligar a TV e não ver as tragédias. Alguns nem sabem mais dizer quando ocorreu esse terremoto. Há milhares de pessoas que perderam a família e até hoje choram seus parentes. Como sair desse luto acompanhado de miséria?
A região serrana do Rio ainda abriga restos de corpos sob as casas. Mais luto, mais perda. Aqui em Minas, em Bandeira do Sul, próximo à Poços de Caldas pelo menos umas 15 pessoas morreram eletrocutadas em cima de um trio elétrico. Mais luto e mais perdas...
O ser humano é o único que sabe que vai morrer e tem certeza de que um dia vai morrer. E não sabe como aceitar a morte...
Confesso que não tenho medo de morrer, mas não sei aceitar a morte de quem amo.
Temos muito que aprender. Tem que haver muita fé, acreditar em uma vida após a morte, talvez...
Ou acreditar como os ateus, que a certeza é morrer e ponto final!
Só sei que nada sei... Que é difícil acreditar nesse horrível ponto final.
José Saramago, grande escritor português que morreu em 2010 era ateu mas não gostava de ponto final. Preferia as vírgulas e reticências. Tinha um interessante conceito de morte.
Segundo ele, “a morte seria o nada dissolvido em átomos”.
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